segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

LISBON REVISITED

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências - (das ciências, Deus meu, das ciências!) -
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-a!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus !

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fôsse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sòzinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sòzinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

O céu azul - o mesmo da minha infancia! -
Eterna verdade vazia e perfeita!
O macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se refere!
O mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem_me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Álvaro de Campos, 1923

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